Botardi!
A frequência dos meus posts diminuiu, mas a verdade é que a quantidade de trabalho aumenta e o tempo para estes pequenos devaneios diminui.
Estou agora de volta com alguns acontecimentos dos dias que
passaram.
Na passada Quarta-Feira, dia 16, tivemos o prazer da visita de 2 jovens
Portugueses. Qual a razão dessa visita? Essa é de morrer de inveja!
O Gonçalo, proveniente de uma pequena aldeia, de seu nome Carregal do Sal,
em Viseu, decidiu um dia que iria dar uma conferência sobre o conceito Gap Year na Fundação Lapa do Lobo,
fundação essa pertencente ao Dr.Carlos Torres.
Um dia o Gonçalo acordou com um telefonema deste mesmo senhor, perguntando-lhe
se estaria interessado em fazer um Gap
Year totalmente financiado, com a oportunidade de escolher os países que
queria visitar.
O Gonçalo aceitou, escusado seria dizer, e pôde convidar um amigo, o Tiago.
Timor foi o 23º país que visitaram. Passo a enumerar a totalidade dos
países: República Checa, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia,
Estónia, Rússia, Ucrânia, Moldávia, Roménia, Bulgária, Turquia, Índia, Nepal,
China, Laos, Cambodja, Tailândia, Malásia, Singapura, Indonésia, Timor, Austrália
e Nova Zelândia.
Esta viagem ou o propósito do financiamento não é meramente turístico ou
lúdico. Como os próprios dizem, eles interessam-se pelas diferentes realidades
dos distintos países, e, assim,
transmitem-na para que mais pessoas tenham acesso à informação e às experiências
por eles vividas. Eles querem incentivar mais pessoas a viajar, porque viajar é
mais fácil e barato do que pensavam. (Eu partilho da mesma opinião!) A juntar a
isto, o Gonçalo e o Tiago durante a viagem envolvem-se em projetos de
voluntariado, como é o caso do MOVE, em Timor.
Estiveram cá a conhecer o trabalho que fazemos, assistiram às aulas que damos na Universidade , conheceram Dili e ainda houve tempo para um grandioso churrasco
na casa MOVE.
O Churrasco já há tanto apalavrado.
Sexta-Feira foi então um dia agitado e animado.
A ideia de Churrasco ou BBQ parece sempre bem. Mas e o churrasco? E a
grelha?
O nosso vizinho, um dos incontáveis que nos rodeiam, tinha uma espécie de
churrasco, que eu arriscaria dizer que é ferrugem em forma de churrasco mas que,
ainda assim, nos serviu muito bem. Compraram-se as grelhas, entrecosto, frango,
chouriço, cervejas, batatas fritas, pão e mais cervejas. A mesa estava feita.
Montou-se o estaminé enquanto éramos atropelados pelas crianças que, como
todos os dias, entram pela casa adentro como se donos da casa fossem. Como o
churrasco aconteceu na parte exterior da casa, avisámos as crianças que por
volta das 17h havia festa.
Qual é o nosso espanto quando as crianças vão aparecendo de banho tomado e com
roupa de “missa”. A missa é a única ocasião em que o Timorense se veste a
rigor, se arranja com cuidado, calça um sapato bonito, e põe perfume. Em
situações normais, facto mais visível quando falamos de crianças, andam
descalças, com roupa prática e muito suja.
Eis que Olívia aparece com uma vestido rosa de princesa; a Bakita com um
vestido rosa mais discreto; a Avita desta vez penteada e com um vestido florido.
Os meninos penteados com gel, vestidos com um pólo, calça de ganga e sapato!
Estes miúdos vizinhos são pobres quando comparados com pobres em Portugal,
claro. Mas, e falo com base no contacto permanente que tenho com eles nas
redondezas de minha casa, eu diria que vivem bem, dentro do possível. Não
passam fome, mas também não comem fartamente; têm roupas bonitas ainda que as
usem raramente(compreensível, dadas as horas extensas de brincadeiras na terra, quando não lama).
Isto para explicar (ainda que pareça contradição), o violento e exagerado ataque às
primeiras batatas fritas que cuidadosamente e já na expetativa de que desaparecessem
em poucos segundos, pusemos na mesa. A partir deste ataque às batatas, toda a
comida que se punha na mesa tinha poucos segundos de exposição. Falo do frango
no churrasco, do chouriço, da pasta de atum. Até que deslocámos a comida para
dentro de casa, para que os convidados pudessem comer.
As crianças dançaram “ai se eu te pego” vezes sem
conta, sempre como se fosse a primeira vez. Felizes da vida!
Um episódio engraçado que não posso deixar de
contar. As crianças sabem da existência de uma pessoa muito semelhante a mim, a
Margarida. Sabem, porque lhes mostrei fotos e porque algumas até já falaram no skype com ela.
Durante o churrasco, caminhei até à Estrada
principal do bairro para indicar a uma amiga a direção da casa. Entro no carro dela
para depois seguir até minha casa. Saio do carro e vejo as crianças que, com um
ar confuso, quase incrédulo, perguntam “Margarida???!!!” Não esperavam que
voltasse no carro ou talvez nem me tenham visto a sair!
Findo o churrasco, depois de acabarmos com 5Kg de
carne e cerca de 80 cervejas, a festa foi na GNR e durou até às tantas.
A semana que agora acaba foi de comemoração. Timor
Leste fez 10 anos. Um dos países mais jovens deste mundo. Timor comemorou o 10º
ano de independência.
Bandeiras de Timor Leste nos carros, nas motas,
nas casas, nas lojas, nas barracas, nos quiosques, nos telhados. A bandeira
Nacional de Timor Leste e o orgulho deste povo por todo o lado.
O Presidente Cavaco Silva visitou Timor Leste pela
primeira vez. Mostrou-se surpreso com o estado de pobreza do país e apelou ao
reforço do investimento português em Timor Leste.
Simpaticamente convidou a comunidade Portuguesa de
Timor-Leste para uma festa ao estilo Português. Juntamente com Cavaco veio a
sua esposa e alguns ministros Portugueses, entre os quais, Paulo Portas que
tive o prazer de cumprimentar.
Ouviram-se os Presidentes Cavaco e Matan Ruak. O novo
presidente de Timor Leste, Taur Matan Ruak, declarou Português como língua oficial
não materna leccionada como língua estrangeira, uma decisão feliz para Timor!
Cantou-se o fado pela voz de Kátia Guerreiro e
comeu-se bacalhau com natas, rissóis, croquetes, pizza; bebeu-se vinho também
(e que saudades que eu tinha de um bom vinho tinto!!).
Mudando de assunto.
Talvez vos esteja a dar uma novidade, mas aqui há “cabeleireiros”
e “salões de beleza”. O conceito existe. Os malays
frequentam e alguns timorenses ricos também.
Eu fui cortar o cabelo, por sinal bastante mais do
que aquilo que eu queria!
Entrei no “salão”. Sala pequena com arrumos
traseiros visíveis. Chão de tapete, do lado direito uma maca preta com uma
almofada no sítio onde se coloca a cabeça. Uma bacia no chão e um balde.
Champôs de supermercado. Do lado direito, 2 cadeiras com um espelho partido e
enferrujado em frente. Nas paredes, algumas páginas de revistas coladas, com
anúncios a produtos de beleza. Muitas referências hindus, oferendas na porta e
dentro do salão.
Duas tailandesas, uma lava a cabeça a outra corta.
Uma arranha a cabeça e a outra dá umas tesouradas.
Deitei-me na maca. Água fria (não esperava outra
coisa) despejada de um balde para a cabeça. O balde enchia-se da bacia e de 2
em 2 viragens de água precisava de ir aos arrumos encher a bacia com água nova.
Qual torneira.....lavou-me o cabelo e lavou a almofada também.
Sentei-me na cadeira para cortar as pontas...a
verdade é que ela me cortou as pontas da maneira mais desengonçada que alguma
vez vi. Em vez de 1 cm, foram uns 5...!
Tive pena de não ter levado máquina fotográfica
mas hei-de lá voltar para registar.
Quanto ao trabalho, esse tem sido muito.
O Projeto
UNTL- Projeto Liquiçá de que já vos falei, foi posto em prática. Temos uma
turma de 7 alunos que, juntamente comigo e com o Francisco, trabalham para
desenvolver a comunidade, mais especificamente otimizar a produção de kadiok (caranguejo), budu-tasi (algas) e agar-agas (doce de algas).
Os alunos são do curso de agronomia e
agro-economia e são alunos muito interessados e bastante mais desenvolvidos
intelectualmente do que os alunos que temos no nosso módulo de Gestão e
Empreendedorismo. Isto deve-se ao facto de estes alunos terem sido escolhidos a
dedo pelo responsável de departamento destes cursos.
Na próxima semana vai-se realizar um feira de
produtos locais em Dili. O MOVE conseguiu um espaço na feira para as produtoras
de doces de algas venderem! Elas são
4, produzem apenas quando há feira em Liquiçá (talvez 1 vez por ano). Interessa
dizer que estes doces são vendidos em supermercados, importados da Indonésia.
Acontece com os doces, com os frangos do Brasil e com tantos outros produtos.
Achámos que esta seria uma boa oportunidade e
queremos que, com isto, elas percebam que é fácil fazer dinheiro se houver
trabalho. Porque se ser reactivo não chega, não reagir então, não é viável! É
preciso proatividade que tanta falta faz a este povo….
Fomos com elas às compras e vamos emprestar o
dinheiro necessário para que comprem os ingredientes necessários. Note-se que
são apenas 15$, pois elas já possuem os equipamentos necessários. A verdade é
que com este dinheiro conseguimos que elas começassem esta produção.
Estamos ansiosos pela feira, esperemos que corra
tudo bem e que este acontecimento tenha sido uma pequena vitória nesta luta
difícil que é despertar interesse pelo negócio, pelo trabalho, pela iniciativa,
por uma vida melhor.
O Hugo e o Pedro, os 2 elementos do MOVE mais
envolvidos na Cooperativa de Flores, estiveram esta semana em Los Palos a dar
formação a Pescadores, no âmbito do conceito cooperativa, a pedido da
Cooperativa de Flores.
Esta semana corrigi os testes dos alunos da UNTL.
Agora entendo a desmotivação da minha querida mãe professora quando tem esta
tarefa para fazer.
As aulas na UNTL têm seguido normalmente. Fizemos
este teste a semana passada para ter algum feedback
do nível de aprendizagem dos alunos e um inquérito para avaliar o nível de
satisfação dos alunos em relação ao conteúdo das aulas, maneira como são lecionadas
e idioma.
É muito difícil avaliar ou perceber se os alunos
entendem a matéria. São raros os alunos que frequentaram todas as aulas desde o
início, mesmo estes têm testes medíocres. Os que faltaram a algumas….imaginem!
O facto das aulas serem lecionadas em português
vem dificultar bastante, porque a maioria dos alunos tem sérias dificuldades em expressar-se em português.
Já expliquei anteriormente que as aulas consistem
no desenvolvimento de um plano de negócios de uma banca de fruta. A primeira
parte do teste foi mais direcionada para conceitos e a segunda para o plano de
negócios específico. Quando pergunto qual o produto de uma loja de telemóveis,
muitos respondem fruta. É claramente um problema de interpretação.
Uma questão tinha dois grupos de imagens, um com
um sumo e um caderno e outro com um táxi e um senhor que entrega correio. Pedia
que escrevessem qual o grupo que correspondia ao conceito produto e qual o que
correspondia ao conceito serviço. Metade escreveu o nome dos produtos e dos
serviços que via na imagem.
Quanto à definição ou diferença entre produto e
serviço, nenhum conseguiu explicar. Evidente que se o português deles fosse
bom, não seria difícil perceber a diferença, mas a juntar à pouca capacidade intelectual,
junta-se a dificuldade da língua…
Se falarmos em números, a situação complica-se. A
literacia numérica não é de todo o forte do Timorense.
Fizemos um simples exercício: “O Mário trabalha 7
horas e a Mariana 7,5h. O Chico paga 10$/hora de trabalho. Qual é a despesa
total do Chico?”. Cerca de metade respondeu bem, a outra metade errou, ou por
não conseguirem raciocinar, ou simplesmente porque 14,5*10 = 1,45 ou 14,5. O
multiplicar por 10 ou dividir por 10 também não é imediato, precisam de calculadora
ou de “fazer à mão”.
Estes são alguns exemplos. É a realidade dos
alunos finalistas da Universidade. Não quis ser destrutiva, é simplesmente a
constatação de um facto. Facto este que espero que mude, pois é para isso que
aqui estamos!
Esta semana fomos convidados para a cerimónia de
entrega de diplomas aos estagiários (na
área de manutenção dos ares condicionados) da GNR. O Mário e o Francisco foram
representar o MOVE, que colabora com o ministério da Economia no projeto da
Incubadora de empresas, para onde os estagiários irão.
O Ministro da Economia de Timor Leste agradeceu a
colaboração do MOVE, que na realidade ainda não começou, mas estamos a
trabalhar nesse sentido.
Estes foram alguns episódios da semana.
Amanhã às 6 horas da manhã estamos a ir em direção
ao Ramelau, a montanha mais alta de Timor Leste, conhecida pelo espetacular
nascer do sol. Um fim-de-semana diferente, longe da confusão de Dili!
Uma das atividades do jardim de infância MOVE, pintar! |
Festa Africana no Arbiru. Haja...alegria? |
MM
Ler o teu blog, o trabalho e as experiências que têm, bem como as maravilhosas fotografias que se conseguem nesses ambientes é, no mínimo, inspirador. :)
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