quarta-feira, 28 de março de 2012

Desta vez nada teve a ver com preguiça ou falta de inspiração. Deveu-se a falta de tempo. Ainda bem,
já que na semana passada pouco se fez.
Fui, na passada Quarta-Feira, visitar o distrito do Remexio com o Sr. António do CJPAV. Chegar ao Remexio leva 3h, por caminhos irregulares, montanhas desniveladas, espaços estreitos, lama e muitas pedras.

Mais uma visita para constatar o já constatado: empreendedores que não merecem o nome técnico que lhes é dado.
O Sr. Armando pediu, em 2010, 500$ emprestados para investir num quiosque, diz ele. No meu juízo, o dinheiro talvez tenha servido para fazer uma casa e, quem sabe, comprar umas galinhas/ovos/porcos para venda posterior. Não mais do que isto. Este senhor já regista no histórico algumas fugas quando se lhe pede dinheiro. Desta vez o Sr. Antoninho, ao chegarmos a casa do Sr. Armando diz: “fiquem nessa porta das traseiras, eu vou pela frente”. Não houve maneira de escapar, apesar de ele ainda ter tentado o quarto. Quarto esse que, se eventualmente não fosse separado por uma Cortina, a fuga talvez tivesse resultado.
Posto isto, o Sr. Armando sentou-se atrapalhado, engasgado e sem dinheiro.
Até então, esta teria sido a casa mais humilde que tinha visto. Quase todas tinham o mesmo aspecto exterior, construídas em bamboo: bamboo direito ou entrelaçado; e telhado feito com folhas de palmeira empilhadas. Chão que resulta da extracção da terra do solo até chegar à pedra, ainda com restos de terra. “Paredes” escassamente enfeitadas por desenhos de uma criança e um jornal aberto. O quarto é designado assim, pois é um sitio onde se dorme, mas dentro desta única divisão da casa, apesar de não ter conseguido ver na perfeição, a cama não existia. Dormem com esteiras no chão.

Aproveitámos o contacto da Madre Mª do Céu, fornecido pelo embaixador e dado como um bom contacto para nos ajudar a identificar comunidades responsáveis e merecedoras de microcrédito, para prolongar a estadia no Remexio.  

Almoçámos na casa das madres. Não sei se já expliquei anteriormente, mas as madres e os padres são o elo de ligação entre as instituições de microcrédito e os empreendedores. São, na maior parte, Portuguesas e vêm para Timor para ajudar. Ajudam as crianças, ensinam e inventam actividades para dar emprego a pessoas e pagar um valor simbólico. Estas madres faziam crocodilos de tecido e algodão, toalhas de mesa e outros acessórios que vão inventando. No Remexio existem 3 madres todas “bem porreiras”. Antes do almoço rezaram, cantaram, benzeram-se e só depois comeram, enquanto eu assistia estática e cabisbaixa. No final da refeição, a mesma história.
As madres plantam todo o tipo de frutos que possam imaginar, no espaço verde que rodeia o centro onde trabalham. Maracujás, bananas, papaias, goiabas, chá príncipe, cenouras,… Ofereceram-nos 1 saco gigante de maracujás.
 Às 14h era hora das crianças chegarem ao centro. Brincam, vêm filmes, aprendem português, entre outras actividades. Brincámos com elas e assistimos a uma aula. Há muita organização e disciplina. Antes da aula começar fazem uma oração, de seguida cantam uma música à escolha e prosseguem a aula, cada um no seu lugar marcado.

Voltámos para Dili no meio de transporte dos timorenses. Digo isto porque os malai têm carro, não andam ali. Nós andámos e andamos. É uma carrinha de caixa aberta, com cerca de 20 timorenses + 2 malais, eu e o Chico. Para eles é estranho, gozam connosco, riem-se, comentam e metem-se connosco de uma forma indirecta. Acham estranho.


Sábado fomos para Ataúro numa viagem que combinou trabalho e lazer. Ataúro é uma ilha que pertence a Timor, mais precisamente, é um sub-distrito de Díli. Situa-se a Norte de Dili, cerca de 25km.
A ilha é dividida em cinco distritos/sucos: Bikeli, Beloi, Macadade, Makili e Vila, sendo a Vila considerada a Capital de Ataúro.
Ataúro fica a 2h30 de barco de Dili. Depende do barco, claro. Este que vêem na foto é o Nakroma que funciona apenas ao Sábado.



É uma ilha que apresenta uma beleza natural inacreditável. Não há foto que a transpareça.  Uma vista paradisíaca. Uma mistura de verdes e azuis fazem desta ilha uma das paisagens mais bonitas que tive o prazer de ver.
Já as condições em que as pessoas de vivem ficam para lá de miseráveis, não tenho adjectivo para descrever. Não tenho adjectivo, nem existe qualquer combinação de palavras que vos faça perceber esta realidade.






Vila e Beloi são os únicos 2 distritos que possuem electricidade. Das 18h às 00h, dia sim dia não. Alterna entre estes dois distritos.Toda a restante ilha não tem.
Apenas estes 2 distritos são servidos de água, das 6h às 9h e das 16h às 19h. Nas horas em que há água, deixa-se que ela encha baldes e tanques para mais tarde ser utilizada. O banho é tomado de balde, e assim o fizemos nós. Água suja, muito pouco agradável, mas ainda assim, água.

Os distritos que não possuem água, aproveitam a água da chuva (que guardam em tanques). É a água que bebem. Para outros fins têm um poço de água do mar, salgada.

Existem nascentes de água potável, muito poucas e localizadas em sítios de difícil acesso. Todos os sítios são de difícil acesso.
                                
                                         Nascente
Há apenas uma Estrada aceitável em Ataúro, que liga Beloi à Vila.
Todas as restantes, falemos de carros, motas ou camiões, não há meio de transporte que consiga circular. As pernas são o meio.

O solo de Atauro faz crescer milho e muito poucos outros alimentos. É de milho que se alimentam. É o milho que os alimenta. É o milho que os salva.  Como o milho não dá os nutrientes necessários, há ainda uma árvores cujas folhas possuem diversas vitaminas, e por isso também as comem. Quem tem arroz, mistura com arroz.
Para adiar a fome, mastigam uma pastilha vermelha. Serve para confortar o estômago e deixa muita tinta vermelha na boca. Por isso é comum ver as pessoas com os lábios pintados de vermelho carregado.
Para fazer chegar qualquer tipo de bem que possam imaginar ao cimo de uma montanha é necessário transportá-lo a pé. Sejam 3h ou 4h. Sejam crianças ou adultos. Ao sol, descalços, por cima de pedras instáveis e desconfortáveis, terrenos inclinados e quilos de carga.  Falo porque o fiz, com a diferença de que o fiz calçada, de barriga cheia e sem carga.

Reparem no peso que levam e imaginem as horas de caminhada.

Padre Luis com Senhor 
Fomos com o Padre Luis a Makili. Makili prolonga-se da montanha ao mar.
Caminhámos das 14h às 18h30, hora em que apanhámos o barco para regressar. Subimos e descemos uma montanha,  em conversa e parando frequentemente ,tanto para cumprimentar as pessoas que passavam, conhecidas do Padre Luís que já cá está há 6 anos, como para acompanhar o ritmo do padre, que já apresenta alguma idade para tal esforço. Não havendo outra maneira de alcançar a parte mais elevada de Makili, andar é a única solução e o padre faz este caminho cerca de 4 vezes por semana. O intuito é visitar as diversas famílias, perguntar como vão, dar uma palavra de apoio. O padre acompanha também um projecto novo, que é o de construir casas de banho para a população e garantir que estes as usam.  Têm já uma casa de banho modelo. Isto, para incentivar o cuidado com a higiene e garantir mínimas condições.
Tivemos oportunidade de entrar em algumas casas, ver como “sobrevivem”.  Ver também as diversas e rudimentares engenhocas que constroem para fazer face às adversidades que encontram. "A necessidade aguça o engenho".
A comida que têm é armazenada numa casa construída no cimo duma árvore para os animais não a comerem. No tronco da árvore pregam uma placa de metal para os ratos não subirem.


Berço de bebé feito de bambo
Casa que recolhe comida
A faixa de metal para os ratos não subirem


Restos de bombas que os indonésios deixaram, servem agora de sinos.

Talvez não estejam a imaginar o cenário, ou talvez estejam. Imaginem-se no meio de uma floresta densa, imaginem que essa floresta tem palmeiras, eucaliptos, bananeiras, coqueiros e toda uma variedade de árvores cujo nome desconheço. As “casas” dispõem-se, nesta “floresta”, aleatoriamente”, sem qualquer critério. Vivem como se acampassem todos os dias.  Ainda não me parece uma boa descrição, mas fica a sugestão.
As casas são todas feitas de bambo e de folha de palmeira. A cozinha e a casa de banho são normalmente construções separadas do sítio onde dormem. Mais uma vez, dormem no chão.
A casa de banho, custa-me até usar este nome, é um quadrado de bambo com um tecido a fazer de porta. Tomam banho no máximo 1 vez/semana, penso eu. As necessidades fazem nos meio do mato. A água existe quando a vão buscar à nascente, em baldes. É bastante notável,utilizando todo um conjunto de sensações, a falta de higiene destas pessoas.
Aqui ficam algumas foto desta casa que vos descrevi. Os pequenos das fotos são os filhos do senhor. Por enquanto pareceram-me ser 6, mas é certo que estas crianças hão-de ter mais irmãos. Não há meios contraceptivos. Nascem aos 7, aos 8, aos 11, aos  15, nascem os que tiverem que nascer. Morrem também os que tiverem de morrer. Quase sempre morre algum filho, com falta de nutrientes ou com outro tipo de doenças.

"Casa de banho"
Cozinha 



Numa outra casa que visitámos, comemorava-se o aniversário da morte de um familiar. É uma forma peculiar de o fazer. Na cultura deles, festeja-se durante alguns dias, não sei precisar mas acredito que não passe dos 3 dias. Muita comida e toda a família reunida. Toda a família mesmo. Não há funeral enquanto não estiver a família toda reunida, nem que passe 1 semana até tal acontecer.
Dependendo do parentesco que o familiar tem ao morto, oferecem-se diferentes animais. Se for determinado parentesco oferece um porco, se for outro, uma vaca, um búfalo, um cavalo, uma galinha, vinho, dinheiro, o que for. Dê por onde der, custe o que custar. Mesmo. Em regra todos têm um animal para este fim. Quer tenham de passar fome durante dias,  quer gastem o dinheiro proveniente do microcrédito. Tudo vale para cumprirem a tradição.
É tal o investimento feito num acontecimento destes que esta é , muito frequentemente, a razão pela qual as pessoas não conseguem pagar o empréstimo.
A família que comemorava o aniversário da morte

É um povo extremamente católico, mas a cultura tem ainda mais força. É em vão o padre na missa pedir para que eles diminuam a importância que dão a esta tradição, que os empobrece e os endivida cada vez mais. É tradição. Dificilmente vai mudar. Mais uma contradição.

Uns descansam no sofá, outros em cima de uma árvore
A esperança média de vida chega aos 50 anos. Não passam desta idade, no geral. Fácil de perceber porquê. É uma vida de grande esforço e sacrifício e não há qualquer tipo de cuidados de saúde, médicos ou enfermeiros. È uma luta difícil numa ilha tão bonita e tão cheia de adversidades.
           
Vive-se num nível tão inferior ao limiar da pobreza que as pessoas se acomodam. Desconhecem outra forma de vida. Não sonham. Não sabem que se pode viver.
Desconhecia tal forma de se viver, talvez imaginasse, mas estava muito longe da realidade. É difícil encarar. 
O emprego delas é sobreviver, não ganham dinheiro. Parece-me que muitas delas não têm dinheiro sequer. Para além de sobreviverem, nada fazem. Todos caem na mesma rotina, fazer nada.
À medida que se desce a montanha vêem-se casas melhores, mais organização , mais luz, mais espaço. Aqui vive-se ligeiramente melhor, a proximidade do mar facilita o acesso ao exterior e consequentemente as oportunidades.


                                                                    

O olhar das pessoas, esse é sempre o mesmo. Curioso, com gargalhadas de vergonha e espanto. Juntam-se para nos observar e riem-se quando lhes dizemos “botardi”.


Segunda-Feira fomos visitar o Chefe de Suco de Biqueli. Fomos tentar perceber quais as maiores necessidades dos pescadores do distrito. Foi-nos apontada como maior necessidade, o gelo para conservar o peixe. Mas é complicado fazer gelo sem electricidade e sem água. Problemas sem fim!
Nesta viagem de trabalho, aproveitámos para passar pela praia mais bonita de Ataúro, Acrema.
Acrema
Fomos também numa viagem longa até Macadade, debaixo do sol forte e por caminhos que pensava impossíveis de passar, neste camião da foto. Daqui resultaram 2 calos nas mãos (pela força que fiz nestas 3h para não cair ou rebolar do camião) ; e um escaldão geral, para variar.
Ainda não sabia o que me esperava!

O quarto
Na primeira e na última noite ficámos num quarto da biblioteca do Padre Chico. Um quarto com uma cama. Eles ficaram os 4 no chão, com umas esteiras e eu na cama, claro. A biblioteca tinha um espaço com 4 casas de banho, cada uma delas com 1 buraco no chão e um tanque de água. Tomar banho às 20h significa tomar banho à luz de uma vela e com água estagnada e suja. O ambiente é desagradável, nunca sabemos se a comichão na perna é da água a escorrer, se é da barata, da melga, da aranha, ou meramente psicológico. Por isso sacudo sempre antes de ver. Não vá desencantar uma barata, como já aconteceu.

Na segunda noite ficámos num quarto da cooperativa, este com camas, colchão, lençóis e uma casa de banho com sanita e balde para tomar banho. Era como se estivesse num hotel de 5 estrelas.
Já na ultima noite voltámos para o quarto da biblioteca, porque esgotámos o nosso “plafond” e como devem calcular, não há ATM’s em Ataúro.
As refeições foram todas feitas no mesmo sítio, numa cooperativa dos Padres que existe na Vila. É considerado o melhor restaurante Italiano de Timor. Não existem mais restaurantes ou coisas do género. Esta é mesmo a única opção, tirando um quiosque que vende Coca-colas e doces, mas isto, mais uma vez, só na Vila, considerada a capital de Ataúro.

Acordámos às 2h30 da manhã para apanhar o barco de volta para Díli. A viagem tem de ser feita antes das 5 da manhã, antes da maré subir . Foram 3 horas de viagem num barco de madeira, com aspecto frágil mas ainda assim melhor do que muitos barcos que atravessam este mar.
Fazer esta viagem de barco em plena noite cerrada, sentir a brisa morna e ver o céu repleto de estrelas, sem qualquer luz a incomodá-las, é INACREDITÀVEL e inspirador. Estrelas cadentes de 5 em 5 minutos faziam-nos companhia.

Chegámos cansados a casa, por volta das 6h30 da manhã a precisar de um banho e de uma cama.
Às 14h da tarde demos a nossa primeira aula na UNTL. Temos 3 turmas com cerca de 20 pessoas cada. O módulo, como já referi anteriormente, é de gestão e empreendedorismo.

Damos aulas a alunos finalistas. Têm entre 21 a 27 anos e um raciocínio muito pouco desenvolvido. É verdade que não falam a mesma língua que nós(deveriam), o que dificulta muito o entendimento. Nesta primeira aula distribuímos uma ficha para preencherem dados sobre cada um, para percebermos o “background” deles e uma ficha diagnóstico, para avaliarmos o raciocínio e a capacidade de elaboração de uma pergunta.
Há alunos muito interessados, com muita vontade de aprender não só o conteúdo do módulo, mas também a língua Portuguesa.
É rara a pessoa que tem email ou que tem internet. Explicamos cerca de 20 vezes a mesma pergunta, tudo muito devagar, utilizando gestos e um vocabulário muito básico. O plano das aulas será aprender a desenvolver um plano de negócios. Queremos que eles tenham uma ideia de um negócio e vamos ajudá-los a desenvolverem-na. Queremos que resulte, vamos fazer por isso.
Num próximo “post” faço um “best of” de respostas para vos mostrar, visto que este já vai longo.

Amanhã começam as nossas férias da Páscoa. Bali, Lombok e Gili.
O blog tira férias também.

Boa Páscoa! ;)
MM

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