terça-feira, 20 de março de 2012

Boa tarde para esses lados longínquos,

Após alguma resistência decidi escrever. É minha intenção escrever semanalmente, o que pode não acontecer algumas vezes, ou por preguiça, ou por falta de inspiração ou por falta de tempo. Desta vez o post vai atrasado devido às minhas primeiras duas "desculpas".

Avita e Olivia, as vizinhas.
Esta semana que passou foi uma semana pouco ou nada produtiva. Habitualmente se não depender de nós, a semana já não é muito produtiva, com eleições pelo meio então aí Timor pára. Assim foi.
Timor pára por várias razões. Pára devido à importância natural desta data. Pára porque em Dili se concentra grande parte da população de Timor, pessoas que saíram dos distritos vizinhos e neste dia regressam para votar. Aqui não se pega no carro e espera-se demorar 2 horas numa distância de 200 km. Aqui apanha-se uma "biscota", carrinha de caixa aberta e vai tudo ao molhe na caixa aberta com destino aos distritos, preparados para viagens intermináveis pelas estradas que não merecem a denominação.
Tudo o que tínhamos programado para a semana que passou não aconteceu; no dia anterior, à última da hora ou mesmo em cima do acontecimento os compromissos deixavam de o ser.

Nunca vos falei da história de Timor e agora é um bom pretexto para o fazer, não fosse este Sábado que passou um dia histórico.
Timor-Leste foi, até 1975, uma colónia Portuguesa. Nesse ano, e após 3 dias da sua independência, foi invadido pela Indonésia dando início a 24 anos de conflito. A ocupação militar Indonésia fez com que Timor-Leste se tornasse a 27ª província Indonésia, chamada "Timor Timur". Durante estes 24 anos o território permaneceu considerado oficialmente pelas Nações Unidas, como território português por descolonizar. Estes foram anos de massacre sob uma política de genocídio. Alguns de nós ainda nos lembramos de ver na televisão imagens do massacre no cemitério de Santa Cruz, que aconteceu enquanto se homenageava um estudante morto pela repressão. O conflito destes 24 anos deixou quase 200 mil mortos, ou seja, quase um quarto da população Timorense na época.
Em 1999 os governos de Portugal e Indonésia começaram a negociar a realização de um referendo sobre a independência do território, sob a supervisão de uma missão da ONU. No dia 30 de Agosto desse ano os Timorenses foram votar e constatou-se que cerca de 80% queria a independência. Após este "acto de rebeldia" por parte dos Timorenses, o exército Indonésio desencadeou uma nova onda de violência, mesmo antes da proclamação dos resultados. Mataram nas ruas todas as pessoas suspeitas de terem votado pela independência.
Em 2001, os Timorenses votaram para escolher o novo líder do país, Xanana Gusmão. Foi em 2002 que Timor-Leste se tornou totalmente independente.
A ONU decidiu criar uma força internacional para intervir neste país que se apresentava totalmente incendiado e devastado.
Recentemente a ONU anunciou a retirada dos seus solados no fim deste ano, o mesmo será feito pelas forças australianas que vieram também para ajudar.
Timor-Leste vive pacificamente. O problema agora não é a guerra ou os conflitos, é sim a pobreza, a miséria e tudo o que advém deste estado de carência.
Este Sábado que passou foi a terceira vez que Timor-Leste votou para as presidenciais, passados 10 anos da independência. Foi por isso um dia importante e algo receado mas que passou sem incidentes, ao contrário do que se verificou em 2007, data em que Ramos Horta sucedeu a Xanana Gusmão. Ramos Horta teve até estas eleições a exercer o cargo de Presidente.
Sábado, 12 candidatos à presidência estavam em competição. Seriam 13 se Francisco Xavier do Amaral não tivesse falecido há poucos dias. Como nenhum dos candidatos reuniu mais de 50% dos votos, em Abril realizar-se-á uma segunda volta agora apenas com os 2 candidatos que reuniram mais votos, Francisco Lu Olo e Taur Matan Ruak.
Mais dias de improdutividade virão, podemos assim concluir.

Timor é dos países que mais dificuldade está a ter em atenuar a pobreza. Isto vem a propósito dos Millennium Development Goals. Os MDGs são 8 medidas que todos os 193 países membros das ONU e algumas organizações internacionais concordaram em combater até ao ano 2015.
Metade da população timorense vive abaixo do limiar da pobreza para as necessidades básicas, ou seja, vive com cerca de 0.66€ por pessoa por dia. Em 2007, 50% das crianças com menos de 5 anos de idade, tinha peso insuficiente. A longo prazo, o baixo nível de nutrição nos primeiros anos de vida terá impacto no desenvolvimento físico e mental, tendo como consequência, no futuro, recursos humanos de baixa qualidade para o país.

É com arroz que se alimenta a maioria dos timorenses. Ou arroz com arroz. Ou arroz com carne de búfalo. Ou arroz com vegetais. Por aí.
Sempre que estou a cozinhar, na cozinha que fica nas traseiras de nossa casa e dá para casa dos vizinhos, a Bakita entra pela cozinha com o seu ar misterioso a espreitar para o tacho. Desta vez a Bakita chamou o Paulo para ver. Eu cozinhava o mesmo de sempre, massa com carne. Especialmente desta vez, porque a Bakita chamou o Paulo, apercebi-me do quão estranho para eles são as nossas refeições. Substituía estranho por curioso ou apetitoso. Pergunto sempre se ela quer comer, ao que ela sempre me responde: não; ou com gestos ou com uma fala baixa e envergonhada.
Eles fazem o mesmo. Sempre que, ao jantar, os vemos com a sua panela de arroz pousada na mesa da entrada de casa, perguntam-nos se somos servidos. Oferecem sempre.
Ainda esta semana vamos fazer um lanche aqui em casa. Estamos com alguma dificuldade para conciliar os horários da família toda, mas vamos tentar.

Ontem deitei um tacho para o lixo, porque o estraguei. Já é um pormenor explicar o porquê de o ter estragado, mas quem me conhece sabe que a probabilidade de eu me ter esquecido dele ao lume é algo elevada. Foi exactamente isso que aconteceu. O tacho queimou e ficou inutilizável. A mana Nuni pergunta-me se o pode levar para casa, tentei explicar-lhe que o tacho estava queimado e deixava a água com uma cor estranha e que talvez não devesse ser saudável para cozinhar. Resultado desta explicação: zero, niqueles, patavina percebeu ela. Disse que sim e saiu com o tacho. Espero que corra tudo bem. 

Todos estes pequenos e aleatórios acontecimentos que vou constatando, constato-os porque na verdade me marcaram de alguma maneira. Todos me fazem pensar e chegar sempre ao mesmo género de pensamento. É incrível a sinceridade e a simplicidade destas pessoas. É incrível a ingenuidade e a pureza. É incrível a maneira como as crianças soltam uma gargalhada sempre que lhes mostro uma fotografia delas. Riem-se sem parar e pedem para ver outra vez. É incrível tudo isto quando combinado com um povo que vive, na sua maioria, abaixo do limiar de pobreza.
Fazem-me também pensar que muitos de nós, eu própria, nos esquecemos da sorte que temos por termos nascido num ambiente pacífico e com acesso a todo o tipo de bens. A verdade é que só reflectimos sobre estes assuntos quando nos deparamos com uma realidade como esta a que assisto todos os dias. 

Deixando-me de pensamentos. 
Esta Sexta-Feira fizemos um jantar aqui em casa e depois fomos sair. Enquanto estávamos num bar na marginal, o Cast Way, pela 1h da manhã, começa a chover repentinamente e levanta-se uma ventania tal que o bar parou para assistir a este momento enquanto eu pensava nos vários cenários que se podiam seguir. Foram 2 minutos de susto, em que até a água do mar nos salpicou, num bar que fica relativamente longe da linha do mar e a uma altura considerável. A chuva continuou mas todo o aparato envolvente parou e a noite seguiu como de costume.

Este quadro em baixo é a nossa recente aquisição. Utilizamo-lo para ir aprendendo tétum e para calendarizar as nossas tarefas como MOVE. A árvore genealógica que vêem no quadro é a da família que vive atrás da nossa casa. Fizemos para perceber qual o grau de parentesco das pessoas que nela vivem. As pessoas a vermelho são as que nós conhecemos. A vermelho só não vivem nesta casa os senhorios: a Teresinha e o Tony. Imaginem a confusão! Mas não acontece só nesta família, é cultural e consequência do estado de pobreza viverem todos juntos e "misturados" na mesma casa. 






Nós, malai, a jogar ao berlinde em frente a casa.






Mudei de ideias e vou aproveitar a Páscoa, não para viajar em Timor, mas para ir a Bali, Lombok e Ilhas Gili, viagem que vai ser repetida quando a mana chegar. Tempo nenhum me parece ser demais.

Beijinhos para todos,
MM

3 comentários:

  1. Estas-me a dar uma vontade de voltar a viver tudo isso meu deus! Só agora é que me vou apercebendo dos 6 meses que tive em Moçambique e das aventuras, pessoas e das muitas coisas que ficaram por fazer! obrigado por me fazeres recordar pah.. Boa sorte!

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  2. Mariana: os textos que escreve e as imagens que os documentam revelam uma sensibilidade apurada e transmitem a realidade que observa de forma extremamente objetiva. Dei uma olhadela por sugestão da mãe e gostei muito, sem dúvida! Parabéns pela partilha, preciosa para nós por passarmos a conhecer essa realidade tão distante. Felicidades nessa "aventura" e parabéns também à mãe por ter uma filha tão sensível. Dulce Novo (colega da mãe na escola)

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  3. Hello darling!

    Domingo passado, no aniversário da bibó Aida, a nossa Guidocha falou-nos no teu blog e não resisti a dar uma espreitadela para saber como vai a nossa Mariana I. Fico contente por estares bem e acima de tudo por ver que estás a aproveitar ao máximo (pelos menos é o que leio nas entrelinhas) essa experiência tão fantástica e tão humana. Parabéns!

    Um beijinho gigante e saudoso da família Amaro

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